Relato do Caminho Português Central para Santiago de Compostela: de bike por Portugal e Galícia
De bike pelo Caminho Português Central de Santiago de Compostela
Em outubro de 2018, eu junto com o Rodrigo Fernandez, alugamos 2 bicicletas BTT (Bicicleta Todo Terreno), aro 29 polegadas, com 2 alforjes cada, junto à empresa (Cycling&Rentals) para percorrer o Caminho Central Português, desde a cidade do Porto até a Catedral de Santiago de Compostela, na Galícia.
Em Portugal, a designação BTT (Bicicleta Todo Terreno) equivale a MTB na designação em inglês (Mountain Bike). Recebemos as bicicletas em caixas enviadas por transportadora no hostal em que nos hospedamos por um pernoite ao chegarmos na cidade do Porto, no dia anterior ao início planejado de nosso trajeto pelo Caminho Central Português até Santiago de Compostela. Da mesma forma, teríamos apenas que devolver as bikes no nosso local final de hospedagem, em Santiago de Compostela.
Estes locais em que ficamos hospedados no início (Porto) e no término do percurso planejado (Santiago de Compostela) têm que ser conveniados da empresa que nos alugou as bicicletas. E assim fizemos.
Planejamos percorrer a rota do Caminho Central Português em 3 dias, de 27 a 29 de outubro de 2018. Mas as condições de vários trechos do percurso foram bem duras, para além de nossas expectativas iniciais. E também devido a alguns contratempos que tivemos com as bikes, somente conseguimos completar todo o trajeto em 4 dias.
Mesmo assim, foi bastante extenuante concluir todo o trajeto nesse período de 4 dias. O ideal para quem deseja fazer o Caminho Central Português em menos tempo do que caminhando, de forma a não ser tão exigido fisicamente, e poder aproveitar muitos dos atrativos ao longo do Caminho, é percorrer todo o trajeto desde o Porto até Santiago de Compostela de bike em 6 dias. A pé esse mesmo trajeto é feito, de forma mais comum, em 10 a 12 dias.
Caminho Português Central: Trecho Porto – São Pedro de Rates (dia 27 de outubro)
Saímos bem atrasados no 1o dia de viagem, devido aos contratempos mencionados com as bikes, partindo do Porto por volta das 14 horas do dia 27 de outubro. Nos primeiros 10 km, tivemos dificuldade de encontrar a sinalização indicativa típica do Caminho de Santiago ao seguirmos as indicações do Google pelo smartphone. Quanto à sinalização em setas e conchas amarelas, somente conseguimos encontrá-las após alguns bons quilômetros percorridos, já tendo saído da cidade do Porto. Como começamos nossa jornada rumo a Santiago de Compostela no hostal onde nos hospedamos, sem nos preocupar em ir até a catedral do Porto para dali iniciar o trajeto, talvez essa decisão tenha causado esse desajuste/dificuldade de encontrar a rota oficial inicialmente.
Neste dia fomos até o vilarejo de São Pedro de Rates, onde pernoitamos no aconchegante albergue local (Albergue de São Pedro de Rates). Pouco antes de ali chegarmos, passamos pelo belo Mosteiro de Vairão, local onde há também um albergue que nos pareceu muito simpático (Albergue de Peregrinos do Mosteiro de Vairão), e que pode ser uma alternativa interessante, para o caso de decidirem parar um pouco antes de chegar a São Pedro de Rates.
Mesmo para o caso de ajustar o planejamento do roteiro para 6 dias, a parada para pernoite em São Pedro de Rates, após sair do Porto, é muito recomendável, principalmente pelos trechos mais duros que virão pela frente, e pelo fato do trecho do Porto até São Pedro de Rates ser ainda muito urbano, com intenso trânsito de veículos, barulho e burburinho urbano.
Caminho Português Central: Trecho São Pedro de Rates – Rubiães (dia 28 de outubro)
No dia seguinte, 28 de outubro, pela manhã (não tão cedo), deixamos São Pedro de Rates rumo a Rubiães, uma longa jornada para esse dia.
O cenário é bastante distinto do encontrado no dia anterior, pois as zonas urbanas foram substituídas por áreas rurais, através de trilhas de terra, muitas vezes com muitas pedras e irregularidades do terreno ao longo das trilhas, ou então por estradinhas locais.
Passamos nesse dia por vários núcleos rurais e também pela famosa cidade de Barcelos – do famoso galinho – muito bonita e com atrativos a visitar para quando se tem um tempo adicional. A cidade de Braga, terceira em população de Portugal (depois de Lisboa e Porto), fica a apenas 20km de Barcelos. Para os que se programarem convenientemente, é possível de Barcelos visitar Braga e depois voltar ao trilho oficial do Caminho Central Português.
De Barcelos onde paramos apenas para tomar fôlego e tirar algumas fotos, seguimos para Ponte de Lima, uma linda cidade medieval, às margens do rio Lima. A partir de São Pedro de Rates a jornada também fica mais interessante, pois atravessamos por um território essencialmente vitivinícola (produtor de uvas e vinhos), com desníveis moderados em geral, apesar de as trilhas terem trechos acidentados, com muitas pedras e irregularidades.
Após passarmos por Ponte de Lima, também com muitos atrativos a visitar quando se tem um tempo maior para percorrer o Caminho Central Português, encontramos o trecho mais desafiador de todo o percurso desde o Porto até Santiago de Compostela: a subida para o Alto da Portela Grande de Labruja, pouco antes de se chegar a Rubiâes. A subida da Labruja (quando passando por lá, não pudemos deixar de associar com o termo em espanhol ‘La Bruja’ – A Bruxa!), para quem está percorrendo o Caminho Central Português em bike, é especialmente sofrida. Quase no cume da montanha que temos que superar (Alto da Portela), as subidas se tornam muito íngremes, com muitas pedras grandes na trilha, e, com isso, tivemos que carregar as bicicletas praticamente no colo. Para quem percorre esse trecho caminhando, o problema não é tão feio. Para apenas uma pessoa com sua bike esse trecho realmente é muito duro. Com duas pessoas, fica um pouco menos difícil, pois os dois podem subir com uma bicicleta sendo carregada pelos trechos mais íngremes e depois buscar a outra, repetindo a operação.
Após percorrer todo esse trajeto desde São Pedro de Rates, é uma alegria imensa encontrar o albergue em Rubiães, que também é bem confortável e acolhedor.
Caminho Português Central: Trecho Rubiães – Pontevedra (dia 29 de outubro)
Seguindo de Rubiães em diante no dia seguinte, 29 de outubro, tínhamos um desafio de percorrer outra grande distância até Pontevedra. Passamos por Valença do Minho (última cidade de Portugal) e Tuí (primeira cidade da Galícia), às margens do rio Minho, que cruzamos para sair de Portugal e entrar em território da Galícia.
Para os que se decidirem fazer o Caminho Central Português em bike por mais dias, tanto Valença do Minho como Tui, são finais de etapa clássicos, com alto interesse histórico e cultural, e dotados de bons albergues e hostais para pernoite.
Após passar por Tuí, seguimos para O Porriño. Nesta cidade há um itinerário alternativo (que recomendamos fortemente!) por um bosque natural denominado As Gándaras, pela margem esquerda do rio Louro, o que evita o polígono industrial de O Porriño, o maior da Galicia, com muito tráfego pesado, burburinho e poluição (visual, sonora e do ar).
Depois de passarmos por Redondela mais a frente, rumamos finalmente para Pontevedra, para terminar a longa jornada deste dia. Em todo esse trecho percorrido nesse dia os desníveis são moderados e a rota segue alternando o asfalto de estradas rurais locais com trilhas de terra e cascalho, passando por lindos bosques e margeando riachos com águas cristalinas. Este trecho passa próximo às famosas Rías da Galícia, que são como fiordes, locais do encontro da água doce que vem dos rios com a água do mar. Aqui tem um ambiente natural todo próprio, onde se obtém frutos do mar considerados os melhores do mundo, além de condições muito especiais para produção de vinhos com características únicas, nas famosas Rías Baixas.
O albergue de peregrinos de Pontevedra fica na entrada da cidade, e é bem grande, com boas acomodações e acolhedor. E tem um charme especial: o aquecimento do sistema de calefação interna do albergue fica no chão do hall principal, e é estupendo. Pode-se ficar andando descalço por ali, que você vai sentir um delicioso, relaxante e renovador calor pelos pés, mesmo em um dia frio e chuvoso lá fora, como foi o que experimentamos até chegar ali naquele albergue.
Caminho Português Central: Trecho Pontevedra – Catedral de Santiago de Compostela (dia 30 de outubro)
Por fim, no último dia de percurso, 30 de outubro, saímos de Pontevedra rumo à Catedral de Santiago de Compostela. Passando por Caldas del Rey, seguimos rumo a Padrón, famosa por seus pimentos de Padrón (que experimentamos durante a parada para o almoço, e estavam uma delícia). Padrón é uma localidade de alto interesse cultural e histórico, juntamente com Iria Flávia, que foi fundada pelos romanos quando da ocupação da Galícia para explorar as grandes quantidades de ouro por ali encontradas naquela época. Havendo tempo disponível, vale muito a pena ficar mais tempo em Padrón e Iria Flávia para conhecer os aspectos históricos e culturais dessas cidades vizinhas.
Toda esta última etapa é mais simples de se cumprir e apresenta apenas pequenos desníveis, seguindo sempre de perto a estrada nacional N-550. Passando por Padrón e Iria Flávia, rumamos para o desejado final de nossa jornada, a catedral de Santiago de Compostela. Esse trecho final transcorre em boa parte por asfalto e áreas urbanizadas, cabendo mencionar o moderado e progressivo aclive en O Milladoiro, que incomoda bastante pois já estamos com bastante cansaço acumulado das jornadas dos dias anteriores.
Outras considerações sobre o Caminho Português Central
- Por todo o percurso, como já é tradição por estas terras do norte de Portugal e também da Galícia, cabe fazer um destaque especial à culinária local. É uma atração a parte.
- Come-se muito bem, coisas saborosas, da culinária típica local (como já mencionamos sobre os frutos do mar obtidos das rías galegas), acompanhadas sempre de excelentes vinhos regionais (como os produzidos nas Rías Baixas), vinhos estes que normalmente tem um preço que você não encontra em outros locais, de tão atraente que é.
- Perder a sinalização do Caminho Central Português, fazendo o percurso em bike não é uma coisa difícil de ocorrer. Há que se ter cuidado e muita atenção com as sinalizações indicando mudança de trilha, estradinhas locais ou alteração brusca de direção.
- No nosso caso, perdemos algumas vezes o traçado do Caminho Central Português e tivemos que voltar e encontrar o trajeto correto. Essa situação ocorreu sempre nos trechos de descida, onde procuramos imprimir uma maior velocidade às bikes para ganhar tempo. Mas em contrapartida temos que ter mais atenção em por onde fazemos as bicicletas passarem nas estradas e trilhas, e com isso ficamos sujeitos a não perceber a sinalização indicando uma mudança de rumo, à esquerda ou direita e seguimos em frente pelo caminho errado, tendo que retroceder até encontrar o trajeto correto
- Por isso, se perceber que passado algum tempo (não muito) você não se deparar com novas sinalizações de setas amarelas ou conchas ou totens indicativos do Caminho Português para Santiago de Compostela, pode suspeitar que você errou um desvio que deveria ter feito um pouco antes. Volte e tente encontrar o local onde você errou o trajeto.
- Uma outra ajuda que podemos ter da sinalização se refere ao Caminho de Peregrinação até o Santuário de Fátima. O roteiro desse trajeto até o Santuário de Fátima nessa região é sobreposto ao Caminho Português para Santiago de Compostela, só que no sentido inverso.
- A sua sinalização é em setas azuis. Assim, se você ver uma seta azul apontando no sentido inverso ao seu, é também sinal de que ainda está no traçado desejado para se chegar à Catedral de Santiago de Compostela.
- Ao percorrermos o Caminho Central Português nesses 4 dias mencionados acima, nos deparamos com alguns peregrinos que tinham como meta chegar caminhando ao Santuário de Fátima, e, claro, estavam percorrendo o mesmo trajeto, só que em sentido contrário ao nosso.
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Redator
Paulo Fernandez
Consultor Santiago de Compostela
Paulo Fernandez é consultor da Nattrip para a peregrinação à Santiago de Compostela, tendo concluído o Caminho Francês desde Saint-Jean-Pied-de-Port no ano Xacobeo de 1999.
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